Caso Luanne: há três anos, um crime que ficou sem julgamento

Caso Luanne: há três anos, um crime que ficou sem julgamento

Foto: Arquivo pessoal

Luanne foi morta aos 27 anos em via pública em abril de 2022, no Bairro Itararé, em Santa Maria

Há três anos, o mês de abril traz à tona os sentimentos de dor e angústia para a família de Luanne Garcez da Silva. Na noite do dia 9 para o dia 10 de abril de 2022, a estudante de Pedagogia, na época com 27 anos, foi asfixiada e morta em via pública pelo próprio noivo, Anderson da Costa Ritzel, em Santa Maria. O assassinato de Luanne foi o primeiro caso de feminicídio registrado na cidade após dois anos e 18 dias sem ocorrências desse tipo de crime.

Como o autor confesso do crime foi enquadrado como inimputável pela Justiça, sequer foi levado a julgamento e hoje vive livre em Santa Maria. 

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Para Halana Garcez Borowsky, 35 anos, a irmã mais velha de Luanne, as memórias e histórias vividas com a jovem motivam os familiares a seguirem em frente. Conhecida pela "pressa de ser feliz", Luanne é lembrada como uma pessoa cheia de sonhos, que vivia intensamente cada um dos dias. Hoje, grávida de uma menina, Halana conta sobre o desejo de manter a irmã viva na vida da filha

— Tudo mudou na nossa vida após a partida da Luanne. Precisamos tentar reencontrar sentidos para viver, precisamos ressignificar a todo momento as nossas escolhas diárias para poder viver sem a presença dela. A gente tinha muitos planos e queria viver ainda tantas coisas juntas. E esse legado que ela nos deixa é justamente de continuar lutando, sempre vivendo intensamente o que a gente ainda tem para viver. Eu estou grávida de uma menina e tenho pensado muito sobre o quanto desejo que a minha filha possa saber quem foi a tia Luanne, que ela possa ouvir as nossas histórias, saber dos detalhes e das características da tia dela — conta.

Luanne ao lado da irmã HalanaFoto: Arquivo pessoal

Luanne estudava na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Anderson Ritzel, na época com 27 anos, confessou que a matou asfixiada em via pública, na Rua Luiz Mallo, no Bairro Itararé, porque desconfiava que teria sido traído por ela. O namoro teria começado em janeiro daquele mesmo ano. O noivado foi em 24 de março.

— Perder uma pessoa que a gente ama sempre é muito difícil, mas perder uma pessoa que a gente ama de uma forma violenta com um crime tão brutal, como foi o que aconteceu com a Luanne, transforma de forma inexplicável a vida de qualquer pessoa e de qualquer família — reforça Halana.

Em meio a tanta dor, a irmã também precisa conviver com os sentimentos de injustiça, impunidade e revolta. Isso porque um laudo médico, elaborado pelo Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) em 2022, constatou que Anderson seria inimputável, ou seja, “no momento do delito ele se encontrava em estado incapaz de compreender a ilicitude do ato”. Segundo o laudo pericial citado na decisão, o estudante sofre de transtorno esquizofrênico do tipo paranoide em associação com uso de álcool e dependência de drogas (maconha e cocaína).

No dia 25 de abril de 2022, foi encaminhado para o Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), em Porto Alegre, por prazo indeterminado e até não demonstrar mais periculosidade. Recebeu alta progressiva foi em setembro de 2023, e depois viveu um período em Santa Catarina, seu Estado natal, onde trabalhou como motorista de aplicativo. Atualmente, vive em Santa Maria, e tem até perfil em aplicativos de namoro o ano passado, segundo Halana.

— Nós recebemos relatos de mulheres que acessaram o aplicativo e que se deparam com ele lá. Recebemos relatos dele trabalhando, frequentando, muitos outros espaços, como academias. Ele está vivendo a vida dele normalmente. Para ele, a vida da Luanne não teve valor nenhum, tanto que no perfil dele no aplicativo de relacionamento ainda escreveu: "Está comigo, está com Deus". Ainda usa o deboche para se referir à segurança de estar junto a ele. E nos causa muito medo e muita angústia que outras mulheres possam ser vítimas dele, que ele possa fazer o que ele fez, do modo como ele fez, com outras pessoas, com outras mulheres que não sabem da sua índole, que não conhecem quem de fato esse feminicida — revolta-se a irmã de Halana, que mantém o perfil do Instagram @porluannegarcez, em homenagem à irmã e como espaço educativo para mulheres vítimas de algum tipo de violência de gênero.

Anderson Ritzel confessou a morte da noiva LuanneFoto: Reprodução


Defesa nega feminicídio

Procurada pela reportagem, Valéria Brondani, defensora pública responsável pelo caso de Anderson, esclareceu que o jovem recebeu alta progressiva, e estará sempre sob os cuidados do Instituto Psiquiátrico Forense. Segundo ela, o agressor estava em surto psicótico quando cometeu o crime, por isso, não pode ser enquadrado com feminicida. Valéria reforçou que, por ter transtorno esquizofrênico do tipo paranoide, Anderson pode se tornar perigoso se não estiver medicado adequadamente.

— Qualquer esquizofrênico é uma bomba. Principalmente se não está medicado direito — diz Valéria.

Relembre o caso

Luanne Garcez da Silva tinha 27 anos em abril de 2023, e era noiva de Anderson Ritzel. Ela foi asfixiada na Rua Luiz Mallo, Bairro Itararé, região nordeste de Santa Maria. 

Conforme o inquérito, após uma suposta crise de ciúmes em que afirmava estar sendo traído, o jovem estrangulou a vítima em via pública. Duas câmeras particulares, de uma residência próxima ao local do crime, registraram o ocorrido e serviram de apoio às investigações. Testemunhas escutaram Luanne pedir socorro e dizer que seria morta, e também teriam visto o autor do crime saindo de trás do carro da vítima, um Volkswagen Fox, com a sua bolsa, e voltando sem a mesma. As investigações apontam que Anderson teria tentado se desfazer da bolsa da vítima para simular um latrocínio. Nessa alegação, o suspeito informou que duas pessoas em um carro teriam matado Luanne. 

Aos policiais, o jovem relatou diversas versões para o fato e estaria bastante transtornado. Mas, ao ser levado para a Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA), confessou que havia matado a namorada esganada, pois suspeitava que estivesse sendo traído. Quando Anderson foi autuado, na noite do crime, seus familiares reuniram documentos médicos que tratavam sobre o seu quadro psiquiátrico para apresentar na delegacia. A família é de São José (SC), onde o jovem morava antes de vir estudar em Santa Maria.

Em 2022, familiares e amigos promoveram protestos por justiça, e hoje precisam conviver com o sentimento de impunidade. Na foto, Halana, irmã de Luanne, fala no microfone.Foto: Eduardo Ramos (Diário/Arquivo)


Inimputabilidade

Segundo o Código Penal, é considerada inimputável a pessoa que, por questões de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do crime cometido. A inimputabilidade é um elemento capaz de isentar a culpa de um indiciado e, não havendo culpa, também não haveria crime.

Anderson teve a absolvição publicada no dia cinco de abril de 2023, pelo titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, juiz Ulysses Louzada. O magistrado considerou que a materialidade e a autoria do crime são respaldadas pela ocorrência policial, laudos periciais, entre outros documentos que constam no inquérito policial. No entanto, afirma que:

(...) não é possível o encaminhamento do feito ao júri, em razão de a única tese defensiva ser a de absolvição imprópria pela incapacidade absoluta do acusado; bem como é incabível ao caso a emissão de um decreto condenatório, eis que o réu é totalmente inimputável, conforme Laudo Psiquiátrico Legal.

Após citar os depoimentos de testemunhas de acusação e de defesa, coletados no decorrer do processo, a decisão pontua que ele estaria em surto no momento do fato e que não teria controlado seus impulsos em decorrência da doença que possui.




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Vitória Parise

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